domingo, 26 de abril de 2009

CONHECER E SER NO MUNDO

léa anastassakis
Houve um tempo em que, ao olhar o mundo, você não podia ver nada. Você só via tudo.

Ou melhor, tudo era uma coisa só. Uma só e mesma coisa.

Você não pode se lembrar, mas antes que sua mãe nomeasse alguma coisa do mundo, apontando-a, dando-lhe um nome, evidenciando-a, separando-a do todo onde se escondia, você não conseguia ver qualquer coisa em particular.

Era como se tudo fosse uma massa amorfa, um contínuo em que nada se distinguia, se separava, se individualizava.

Na medida em que sua mãe foi apontando, nomeando cada coisa em particular, destacando-a, retirando-a daquele contínuo, começaram a surgir o que chamamos de coisas.

Depois de sua mãe, outros vieram e continuaram a te fazer ver o mundo.

Nossa primeira conclusão pode ser: tudo e nada são a mesma coisa.



Se não acredita, pense em algo que ainda não conhece. Por exemplo, uma falésia, os tectonismos, as ligações iônicas, as mitocôndrias, as cláusulas suspensórias, sei lá... qualquer coisa que não faça sentido prá você.

Será preciso que alguém te mostre e nomeie, para que algo que você ouviu, viu, sentiu, talvez até inúmeras vezes, passe a existir em sua particularidade e a fazer sentido para você. Pode ser um objeto, uma coisa, uma profissão, um sentimento, uma fórmula, um símbolo... qualquer coisa....

Conhecer é ir destacando elementos desse todo contínuo que é o real (o indizível, o inapreensível) e com esses elementos ir construindo (nomeando) a nossa realidade.

Por isso não há duas realidades idênticas para quaisquer pessoas. Mesmo quando duas pessoas enfrentam o real durante o mesmo tempo, no mesmo lugar, na mesma situação, o que se vai destacando para tornar-se realidade para cada uma, é diferente, é apreendido de maneira diferente.

Porque a realidade não é o real. Mas a forma particular de alguém apreender algo do real. A realidade é construção, de cada um, particular, particularíssima.

Por isso devemos ter cuidado quando dizemos: “Não estás vendo? Tá aí, na tua cara..." Será que vemos a mesma coisa?

Essa evidência que gostaríamos fosse tão evidente, na verdade não o é. A apreensão do real é leitura. E a leitura é sempre reconstrução do leitor sobre aquilo que é dado pelo escritor.

Mas, de outro lado, como não somos capazes de fazer qualquer leitura sozinhos, e dependamos do outro para nos dizer o que é toda e qualquer coisa, especialmente nos primeiros anos de vida, não fazemos nossas leituras do real autonomamente. Elas sempre trazem a marca de alguém, daqueles que nos guiaram, nos ajudaram nessa apreensão.

Então, precisamos ficar atentos quando afirmamos que pensamos por nossa própria cabeça. Será? Quanto? Podemos passar toda a vida repetindo idéias que não formulamos, em que não acreditamos, e que, às vezes, deploramos, mas que juramos que são nossas.

Sem, portanto, negar a importância do outro, de todos os outros que nos auxiliaram na formação da nossa realidade, precisamos, mais cedo ou mais tarde, inventariar, refletir, com uma clareza bastante grande, sobre como isso acontece.

E começar a escolher, a discernir, dentre tudo em que nos tornamos, dentre tudo o que pensamos, dentre tudo do que falamos, aquilo que efetivamente queremos e seremos.

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