Fomos forjados sob o lema da igualdade. Desde a Revolução
Francesa, esse bordão vem sendo martelado na nossa cabeça, nos nossos ossos,
nos nossos sentimentos. Tornou-se tão corriqueiro que, mesmo quando nos
defrontamos com a mais incrível desigualdade, não reparamos, não nos damos
conta, não nos abalamos, portanto. Algumas vezes, vem alguém e nos sopra ao
ouvido uma observação mais acurada sobre o fato e, então, de repente, nos damos
conta da nossa falta de atenção. Como pode? É mesmo!!!
E lá vamos nós, vivendo a nossa vidinha e circulando,
diariamente, por entre flagrantes desigualdades, desapercebidos, autômatos e,
talvez, até, entabulando uma profunda conversa sobre a importância da
igualdade.
A coisa se repete por círculos. Na Justiça, onde ouvimos que
a Lei é igual para todos, ou em quaisquer rincões da nossa cidade, onde
aprendemos que todos têm direito à moradia, à educação, à segurança, ao livre
trânsito. Vai ver. Observa. Sem muito esforço. Cadê?
Lógico que a Lei não é igual para todos. Se posso pagar um
senhor advogado, posso matar, roubar, fazer misérias, que ficarei livre, e meu
processo terá tantas recorrências, que conseguirei manter-me livre até o meu
suspiro final. Isso, vemos acontecer todos os dias.
Passo o meu olhar pelas minhas vizinhanças e vejo favelas
sem quaisquer condições de salubridade, crianças em idade escolar nas esquinas
e nos becos cheirando cola, fumando craque, pessoas morrendo nas filas dos
nossos hospitais, pessoas que jamais circularam por teatros, pontos turísticos,
museus, ou qualquer lugar mais sofisticado cuja entrada não estão aptos a
pagar. Ou talvez impossibilitados de circular em certos lugares, porque suas
vestes, seu porte, sua nítida curiosidade, que fazem com que sejam tomados por
suspeitos.
Se for mais fundo, chego à escola e ao lar. Na escola, as
crianças têm que ser iguais, caso contrário, serão discriminadas. (Não falo do
uniforme escolar, com o qual até concordo), mas a igualdade que os amiguinhos
cobram sobre a marca do tênis, da mochila, dos cadernos, dos lápis. Nas
festinhas, as crianças não podem ir com roupa que não seja da marca da onda,
por que, então, estarão “por fora”. Não estou nem chegando à imposição de
certas atitudes, que lhes são exigidas para poderem ter parte no grupo; como
fumar, beber, experimentar drogas, deixar de ser virgem, beijar não sei quantos
na festinha, e coisas do gênero.
Assim também com os brinquedos, têm que ter os que estão na
moda, mesmo que não se tenha muito gosto em brincar com eles, e possam ser, e
serão, rapidamente substituídos, não deixando qualquer marca mais sensível nas
suas lembranças. Os pais reforçam essas estandardizações, na convicção de que
assim ajudam seus filhos a serem incluídos nos grupos. E sabemos como as
crianças podem ser cruéis umas com as outras. E sabemos também como, na idade
escolar, somos carentes da aprovação do grupo. E toma-lhe IGUALDADE.
Se alguém é diferente, na cor, no tamanho, na maneira de
falar, de se vestir, de se comportar, lá vem o BULLING. Nome novo para problema
muito antigo. A única saída é tentar se igualar, entrar na onda, o que muitos
fazem, abdicando de suas idiossincrasias pelo aceite do grupo. Se a criança não
abre mão das suas peculiaridades é, mais e mais, afastada, discriminada,
escrachada. É preciso ter muita personalidade para assumir a própria
personalidade, para se manter autêntico, para persistir nas suas idiotices, nas
suas próprias escolhas.
Por isso, prefiro pregar a diferencidade. Afinal, somos
todos diferentes (graças a Deus!). Diferença é riqueza, é instigação, é pesquisa,
é descoberta, é movimento, é transformação. Nada mais chato do que alguém muito
parecido com a gente.
O diferente nos atrai. Exatamente por isso, temos medo. Medo
do novo, do instigante, da necessidade de mudança, como se não mudássemos todas
as células de nosso corpo em períodos bem curtos. É que é mais fácil mudar o
corpo que o espírito. Esse é aferrado, persistente, ainda mais com a ajuda de
toda a lavagem cerebral que nos fazem para perseguirmos a igualdade.
A mídia trabalha nisso todo santo dia, daí porque precisamos
trocar de carro, de celular, de computador, de TV, de geladeira, de roupa, de
sapato, de pasta de dente, de creme para os cabelos, de esmalte para as unhas.
Senão, ficamos diferentes, por fora. Então, consumimos, mesmo sem dinheiro, sem
vontade, sem necessidade. Essa é a ordem. Precisamos nos alinhar com a massa,
nos confundir com ela, etiquetados como produtos em série.
Atualmente, com as redes sociais, as pessoas ficam
bisbilhotando umas às outras, e, muitas, buscando no outro um espelho onde
possam encetar sua concepção pessoal. O que eles estão fazendo (até o que estão
pensando), aonde vão, como se vestem, com quem trocam idéias? etc, etc...
Tudo que é diferente é tachado de ANORMAL. Como se houvesse
uma norma, uma regra para existirmos. Normal não existe. É valor estatístico,
resultante da contabilização das inúmeras diferenças. Estas, sim, reais.
Somos diferentes, graças a Deus. Na realidade somos, cada um
de nós, fora dos parâmetros, fora dos padrões, não normais. Um pouco gordas, um
tanto baixinhas, com certa inteligência, bastante bonitas, um tanto ou quanto
louquinhas, mais ou menos fieis, não toda mulher. E assim somos. Como somos.
Diferentes. Por natureza, e por opção.
Diferencidade implica
em nos reconhecermos e nos aceitarmos como diferentes, mas, principalmente, em
acatarmos e respeitarmos as diferenças de todos os outros humanos. Sem exigirmos,
de nós próprios ou de quem quer que seja, a abdicação do seu jeito de ser em
favor de um enquadramento a qualquer padrão.
E sendo diferentes, lutarmos por oportunidades, por
direitos, condizentes com nossa capacidade, capacitação, desempenho,
iniciativa, esforço, persistência, eficácia. Isso não significa que os direitos
tenham que ser todos iguais, mas que todos, e cada um, devem ter seus direitos garantidos,
e proporcionais ao seu empenho em agir pelo bem estar comum, que implicam no
direito a um lar, saúde, educação, segurança, trabalho e lazer. E, acima de
tudo, o direito à liberdade, de expressão, de circulação, de religião, de opção
sexual, de estilo de vida, sempre que não seja empecilho à liberdade dos
demais.
Isso não significa que não devamos mudar. Pelo contrário,
podemos e devemos mudar de acordo com a nossa maneira de ser, em busca do que
nos faça mais felizes. E não para tentarmos ser como são os outros ou para ser
como os outros desejariam que fôssemos. Sempre cientes de que vivemos em
sociedade, que esta tem seus costumes, sua cultura, suas leis, suas
instituições, e que, apesar de não precisarmos nos enquadrar estritamente ao
que tal cultura implica, sempre teremos que tomá-la em consideração, buscando
um nível de harmonização compatível com nosso estilo de vida.
A não ser que
optemos por viver fora de qualquer sociedade, isolados nos picos das grandes
cordilheiras, ou no interior dos grandes desertos. Sei lá, até porque, mesmo
nos anecúmenos sempre se estará em um território onde vigorará algum tipo de
lei. Só poderíamos fazer a totalidade do que desejamos se estivéssemos
estritamente sós. O que no planeta Terra está bem difícil, especialmente com o
celular, a internet, etc.
E, DEPOIS, ASSIM, NÃO
TERIA GRAÇA NENHUMA