quinta-feira, 30 de abril de 2009

VINGANÇA

léa anastassakis


Para aliviar minha dor
Penso maldades
(Que nunca farei)...

Pela chuva, na favela, correm sorridentes
Como crianças, dão-se as mãos e correm
Para escapar da água
Tudo é sorriso, alegria,
Cochichos entredentes
Até da merda fedida dão risadas.

Mas eis que na lama rodopiam
E, felizmente, a perna está quebrada...

A ele tanta água arrepia
Mal estar, dor, febril pneumonia...

E quando ele, desgraçado, pede ajuda
Digo-lhe: chame a namorada!
E ela grita: porra! Não me enche! Já não basta
Esta maldita perna fraturada?

Escrevo merda
Prá não pensar na merda maior
Que me fizestes...

terça-feira, 28 de abril de 2009

NOSSOS ENCONTROS

léa anastassakis



Eu queria que voltasses de repente
Que pudéssemos sair, como antes,
Pelas ruas, buscando nada
Eu te querendo, tu me querendo...

E os carros passando num assobio
E a teimosia, a alegria e nós
Nos abismos, no impossível, no perigo...

Correndo, e a tua mão em mim correndo
E o calor, o povo sufocando
E eu te querendo, tu me querendo...

Os meus olhos fechados de agonia
Os teus olhos se abrindo nos meus olhos
E a vontade de brincar como meninos, na calçada...

E a fila, a gente e o tempo
Me levando e te deixando sempre
Eu não querendo, nem tu querendo...

segunda-feira, 27 de abril de 2009

PARTIDA

léa anastassakis

Parto.
Não sei quando voltarei
Talvez não volte.
Ficas triste e só.
Mais do que tu, ainda, triste irei
Em vão, tentando desatar o nó,
Que prende ao teu o meu coração.

Parto.
Contigo os sonhos nossos deixo,
Que a ti, sem mim, de nada valerão
Troca em silêncio as tuas tolas queixas
E não procura mais sentir ciúmes
Pois não sofrerei esta tortura
Que, insano, me impõe o teu queixume,
E, incontinente, arrasta-me à loucura.

Fica.
Guarda contigo as nossas brigas,
As desventuras, as mágoas, as dores
Que hás me dado como herança antiga
E que persistes em chamar de “amores”.

Fica.
Dar-te-ei o que de mim pedistes.
Pois se amar somente é sofrimento
Arrancarei do peito que feristes
O coração sem um sequer lamento

SOCIALIZAÇÃO

léa anastassakis

Queria quebrar tudo
Rasgar papéis
Incendiar panos
Pelo menos, o copo de whiski estraçalhar
Violento na parede.

Mas sempre penso de novo.
Vou acordar os filhos...
Assustá-los...
Deixa-los preocupados...

Engulo a ira na bebida
Sufoco com mais uma tragada
Maldita hora em que fui tão educada
!

domingo, 26 de abril de 2009

IDENTIDADE

Léa Anastassakis (out/2008)




Eu,
Sou vó,
Sou mãe e mulher,
Menina
Traquina.
Sou puta,
Qualquer.

Sou Mestre
E aprendiz,
Santa
E meretriz
Sou bruxa,
Sou fada,
Sou tudo.
E nada,
Sou tantas,
Nenhuma.
Sou só
Eu.

CONHECER E SER NO MUNDO

léa anastassakis
Houve um tempo em que, ao olhar o mundo, você não podia ver nada. Você só via tudo.

Ou melhor, tudo era uma coisa só. Uma só e mesma coisa.

Você não pode se lembrar, mas antes que sua mãe nomeasse alguma coisa do mundo, apontando-a, dando-lhe um nome, evidenciando-a, separando-a do todo onde se escondia, você não conseguia ver qualquer coisa em particular.

Era como se tudo fosse uma massa amorfa, um contínuo em que nada se distinguia, se separava, se individualizava.

Na medida em que sua mãe foi apontando, nomeando cada coisa em particular, destacando-a, retirando-a daquele contínuo, começaram a surgir o que chamamos de coisas.

Depois de sua mãe, outros vieram e continuaram a te fazer ver o mundo.

Nossa primeira conclusão pode ser: tudo e nada são a mesma coisa.



Se não acredita, pense em algo que ainda não conhece. Por exemplo, uma falésia, os tectonismos, as ligações iônicas, as mitocôndrias, as cláusulas suspensórias, sei lá... qualquer coisa que não faça sentido prá você.

Será preciso que alguém te mostre e nomeie, para que algo que você ouviu, viu, sentiu, talvez até inúmeras vezes, passe a existir em sua particularidade e a fazer sentido para você. Pode ser um objeto, uma coisa, uma profissão, um sentimento, uma fórmula, um símbolo... qualquer coisa....

Conhecer é ir destacando elementos desse todo contínuo que é o real (o indizível, o inapreensível) e com esses elementos ir construindo (nomeando) a nossa realidade.

Por isso não há duas realidades idênticas para quaisquer pessoas. Mesmo quando duas pessoas enfrentam o real durante o mesmo tempo, no mesmo lugar, na mesma situação, o que se vai destacando para tornar-se realidade para cada uma, é diferente, é apreendido de maneira diferente.

Porque a realidade não é o real. Mas a forma particular de alguém apreender algo do real. A realidade é construção, de cada um, particular, particularíssima.

Por isso devemos ter cuidado quando dizemos: “Não estás vendo? Tá aí, na tua cara..." Será que vemos a mesma coisa?

Essa evidência que gostaríamos fosse tão evidente, na verdade não o é. A apreensão do real é leitura. E a leitura é sempre reconstrução do leitor sobre aquilo que é dado pelo escritor.

Mas, de outro lado, como não somos capazes de fazer qualquer leitura sozinhos, e dependamos do outro para nos dizer o que é toda e qualquer coisa, especialmente nos primeiros anos de vida, não fazemos nossas leituras do real autonomamente. Elas sempre trazem a marca de alguém, daqueles que nos guiaram, nos ajudaram nessa apreensão.

Então, precisamos ficar atentos quando afirmamos que pensamos por nossa própria cabeça. Será? Quanto? Podemos passar toda a vida repetindo idéias que não formulamos, em que não acreditamos, e que, às vezes, deploramos, mas que juramos que são nossas.

Sem, portanto, negar a importância do outro, de todos os outros que nos auxiliaram na formação da nossa realidade, precisamos, mais cedo ou mais tarde, inventariar, refletir, com uma clareza bastante grande, sobre como isso acontece.

E começar a escolher, a discernir, dentre tudo em que nos tornamos, dentre tudo o que pensamos, dentre tudo do que falamos, aquilo que efetivamente queremos e seremos.

AMANTES

Léa Anastassakis

O sol brilhando
O vento correndo
As venezianas...

Recortando, em tiras, o dia.

O apartamento... a cama...
O homem correndo...

E indo, e vindo e esperado.

A água correndo
No seio
O homem correndo...
No corpo
E indo, e vindo e levado
E a porta fechando
No vazio
O homem correndo
No edifício.


O sol apagado
O vento parado
As venezianas...
Recortando, em tiras, a noite

E eu, re cor ta da em tiras...

NÁUFRAGO


Sempre levada pelo mar da vida
Por suas vagas sempre tormentosas
Já consternada pela insana lida
Visei porto seguro, esperançosa

Busquei a terra entre as ondas altas
E a divisei coberta de esperança
Acariciada pela espuma alva
Do amor maior e de maior constância

Nadei à praia e sobre a areia quente
Feita em ternura pude aquecer
O pobre coração convalescente
Que não queria já desfalecer...

E a mesma vaga que me conduzira
À tenra areia da formosa praia
Arrasta o coração que então suspira
Para levá-lo a distante raia
E acerbamente arremessa-lo às penhas,
Cruéis recifes da desilusão

Move-lhe a dor e desde então se empenha
Da distante praia à contemplação.